“Um dia revirei tudo e não o encontrei. Fiquei arrasado. O vizinho veio me avisar. Um gavião passou pela casa dele. Voava baixo, agarrado a um coelho.
Que estranha a vida. O gavião pensava como eu. Pra ele não existia cachorro, nem gato, nem tartaruga.”
Alê Motta
Imaginar um coelho ficar em miniatura no céu, ao ser levado nas garras de um gavião, é uma imagem lírica e cinematográfica. Roteiriza a perda, a incapacidade de alcançar o ser que some na linha do horizonte. De vez em quando nos colocamos diante de questionamentos sobre perdas afetivas e não encontramos respostas fiéis e consoladoras. Em oposição a isto, Alê Motta se projeta, no livro Interrompidos, Editora Reformatório, como escrivã da realidade, pincelando a imaginação com silhuetas, daquilo que experimentamos em nosso interior, em nossa subjetividade.
Alê Motta vê o cachorro, o gato, a tartaruga como figuras vertidas em símbolos da multiplicidade vital, repletas de bifurcações.
Alê Motta vê o cachorro, o gato, a tartaruga como figuras vertidas em símbolos da multiplicidade vital, repletas de bifurcações.
A autora de modo hábil conversa com o leitor por intermédio de uma narrativa que emerge algumas vezes pensamentos pantanosos, ocultos no âmago humano, invisíveis pois são revestidos pela túnica da não-confissão.
Motta alcança um vasto campo visual, enxerga a vida regida pela lei do inesperado, do imprevisível, tal como o gavião surrupiando o coelho, assim ela percebe a película da vida, algo que em segundos se vai, sem qualquer possibilidade de deter, interromper ou determinar o fim.
Na página 43, o conto intitulado Órfãos, o eu-ficcional vê os pais de colegas e conhecidos entrarem em óbito; por questões diversas e até improváveis, mas o seu pai inexplicavelmente não é atingido por nada, como estivesse incólume, são e salvo, da tragédia que o circunda.
A finitude é uma corda que liga os pontos A e B, nos contos de Alê, da vida à expiração, não se vê na narradora alarido ou ebulição elegíaca. A vida é como ela é.
Do lugar que narra, faz grifos sutis, provoca àqueles que ainda não estão soterrados pelos escombros cotidianos.
Concluo que a escritora faz da compressão verbal, da escolha lexical, do ponto no final da frase, um simulacro da brevidade e de experiência humana. A meu ver a vírgula, pausa menor, permutada pelo ponto, é suprimida para comunicar interrupções abruptas, calculadas para revelar uma gramática de uma rica subjetividade.
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