FERNANDO ANDRADE – Primeiro, parabéns pelo livro, é um livro muito bem trabalhado do ponto vista técnico-formal. Me impressionou sua capacidade de malear a narrativa tanto sob seu escopo material linguístico (fantástico o estilo a que você chegou) quanto da ordem da temática. O primeiro conto “Da utilidade das coisas” e o conto “O ofício da fome” . Parecem ter esta capacidade de absorção, de falar sobre si, ao mesmo tempo que se desdobram em potencialidades narrativas. Fale sobre isso.
ALEXANDRE ARBEX – Creio que esses dois contos são os mais bem resolvidos do livro. Ambos se passam numa esfera bastante reflexiva, circunscrita ao sensorial mais próximo. De certo modo, os personagens estão presos às circunstâncias mais imediatas, que se desdobram de maneira paulatina, quase previsível, mas incontrolável. Essa dinâmica do enredo impõe certo tipo de narrativa, que eu descreveria como um desvelamento calculado. A dificuldade, nesse processo de escrita, consistiria, para mim, em oferecer ao(à) leitor(a) apenas o necessário, o suficiente para que ele(a) se sinta instigado a avançar um pouco mais na história. É um exercício de adiamento e precisão, nem sempre exitoso.
FERNANDO ANDRADE – Os contos são muito diferentes entre si, com temáticas tanto urbanas como interioranas, mas o que parece que uniformiza o livro é a linguagem, que você lapida não tanto de acordo com o enredo, mas com a condução do tempo-ritmo narrativo. Talvez este olhar metodológico de precisão, do fluir das palavras (um trote, para usar uma metáfora do cavalo), tenha algum viés um pouco metaliterário. Os fios da ficção podem ser vistos de dentro pelo leitor?
ALEXANDRE ARBEX – Mario Quintana aconselhava os(as) poetas a não deixar expostos os andaimes do poema, mas, no que diz respeito aos contos e à ficção em geral, talvez parte do encantamento nascido da leitura esteja justamente na possibilidade, dada ao(à) leitor(a), de distinguir, nas entrelinhas da história contada, a “história” da produção do texto, o percurso autoral. Esse percurso realça, no produto final do texto, as linhas de cristalização do processo da escrita. A imagem do cavalo, como uma metáfora para o que você chamou de “condução do tempo-ritmo narrativo”, me pareceu pertinente: os contos são, de fato, muito diferentes entre si, não só quanto aos temas, mas também quanto à extensão e à profundidade. Talvez o que os unifique seja o andamento.
FERNANDO ANDRADE – Tive a impressão de que a morte sempre ronda suas histórias (pelos menos suas imagens). Ela parece ser um mote, mas também uma metáfora do próprio processo criativo de escrita. Sem a morte não há escrita para você?
ALEXANDRE ARBEX – Para as narrativas curtas, a morte é um desfecho à mão, um recurso coerente com o ponto final. Por outro lado, talvez o que faça dela um grande tema literário seja a contradição que ela representa, frente à própria escrita, como o avesso da permanência. É costume associar à escrita literária esse desejo – às vezes explícito, às vezes discreto, às vezes obstinadamente negado – de perdurar, de ultrapassar a vida, porque a posteridade, além de ser uma glória, é também uma esperança que motiva o escritor a seguir escrevendo por mais que o reconhecimento tarde a vir. Acho essa inspiração um tanto quanto remota, mas a morte, como problema narrativo, nos permite examinar os sentimentos e os atos humanos a partir de duas perspectivas que me interessam: a do extremo, ou seja, do teste dos limites, e a do absurdo – porque, para nós, que precisamos fingir que somos eternos para viver a vida de maneira relativamente suportável, a morte é uma suspensão da normalidade.
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FERNANDO ANDRADE, jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018 o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie, Editora Penalux.
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