Paraíso
1
muito além das plantações de agrotóxicos
esquecido depois da derradeira ponte
do último homem que por ali passou
não resta o menor vestígio
o que ele viu – há tantos anos atrás –
é o mesmo que um satélite vê agora
da imensidão do cosmo
nenhum dos dois sequer suspeitou
2
onde hoje a árvore produz sombra
o prédio da prefeitura se erguerá
o rio prateado pelo sol escorrerá
sinistro & pesado, dentro de uma galeria
pouco depois da colina
um sinal de trânsito determinará o fluxo
para o que agora é vale & vento
3
sobre esse chão as pessoas
conhecerão fome & sede
e lutarão até as últimas forças
onde hoje prospera a grama miúda
a estátua de um boçal apontará o dedo
para a imensidão do espaço sideral
15/08/15
Manda que estas pedras se tornem em pães
1
a mulher vestida com farrapos
gritava “acuda!” “acuda!”
enquanto dois cães
prestes a atacá-la
ladravam ferozmente
se movimentando em círculos
como se tivessem uma estratégia
& não fossem uma pilha de nervos
guiados pela fome
2
o pão em sua mão
dormido de tantos e tantos dias
desatando a fúria da matilha:
as pombas no fio
– prevendo as migalhas –
esperavam a hora de agir
3
“Acuda!” “Acuda!” a mendiga gritava
já completamente dominada:
as costas de encontro com a parede
um cão agarrado à barra da saia
outro, babando de raiva, rouco
cobrindo a retaguarda
Mas ninguém acudia:
suas vidas não dependiam
daquele pedaço de pão
embolorado
“Que são os homens, comparados com rochedos e montanhas?”
- Arquimedes
os homens da prefeitura
não são nada diante da rocha
que desceu a encosta
e sem nenhum aviso
estrangulou o trânsito
como seria óbvio
– Arquimedes o atesta –
tentaram removê-la com uma alavanca &
um ponto de apoio
e nada conseguiram
de longe os curiosos erguiam a cabeça
como no zoo ou nas rinhas de galo
- dividir & conquistar
mesmo esses outros homens
com sua especialização
“transporte
& manuseio de material explosivo”
nada são diante da rocha
conseguirão, por fim,
além de um estrondo
dividirem-na em dois
e só
– Pobre dos cães!
comenta uma senhora
tapando os ouvidos
- em minhas retinas tão fatigadas
o carro pego de surpresa
“no lugar errado / na hora errada”
– Ainda não se sabe se há passageiros!
segundo a jornalista
sublime a indiferença da montanha
fazendo sombra sobre a cena
L. Rafael Nolli nasceu em Araxá, MG, no ano de 1980. Formado em Letras e Geografia. Publicou Memórias à Beira de um Estopim (JAR, 2005), Elefante (Coletivo Anfisbena, 2013), Gertrude Sabe Tudo (Gulliver, 2016) e Ao Pé da Letra (Independente,2017).
rafaelnolli.blogspot.com
nolli@boll.com
Twitter: @nollirafael
Poemas de Nolli nos chama para reflexão. Nos faz pensar em exploração humana e mineral.