Três poemas do livro “ORIGAMI DE METAL”, de Mateus Cunha, Editora Pontes.
Ritual
O feitiço das flores
na floresta do cosmo.
Queimar o incenso
do poema dos lagos.
Resgatar a criança
do homem triste
Toda quimera
é uma fuga da morte.
Como a minha alma
imensa
é minha aldeia
Meu velho corpo
canta.
Improviso
Tua sombra do outro lado do silêncio.
Não há uma só lâmpada que enalteça
teu sono de guitarra, torpe tempestade.
Escolhi morrer bêbado de almíscar,
Rimbaud crucificado no madeiro.
Há cheiro temporão de borboletas ébrias
na sagração da primavera.
Tua pele, monumento erguido ao tempo.
Eu, hiena com sorriso descarnado
querendo tua carcaça entre os escombros
e teu nome entre as rútilas papoulas.
Do gozo que antecipa o cálice da morte
reitera nossa sombra sem silêncio
e hoje quero o estupro do teu corpo
teus beijos talhados na ternura do bronze.
A Invenção do Adeus
“Esse momento fugaz
merece o nome de vida.”
– Thiago de Mello
Deus acordou do teu leve sono de criança
calçou tuas botas de couro cru incandescente
e fecundou o espaço e a noite do teu nascimento
para que tua alma, ó minha amiga, pudesse contemplar
as estrelas e nelas te encontrar imortal.
Quero me descobrir no fundo abismo de tuas coxas
e granjear o dom da tua fria beleza inconstante.
Poema que penetra no corpo, eterno elixir chamado sêmen.
Um corpo sem trégua imprescindível historia de adeus.
Eurídice apagando-se no tempo, último vislumbre de Orfeu.
Quero que minhas mãos sangrem ao escrever teu nome.
Há um demônio dentro de mim que age delicadamente
como brisa, perfume, riso de menino e raio de luar.
Há uma legião inteira de antigos totens famintos;
o boto feiticeiro, o lobo, a harpia, o tigre da minha existência.
Mas é tua pele teu rosto teu gosto que não me deixam em paz.
Amiga, ensina-me a ser fiel a todas as minhas paixões
aos meus amores mais ilícitos. Quero ser cristal bruto.
Quero cometer sem inocência todos os pecados do amor
e sair ileso deste mundo. Corrompe-me com tua serenidade.
Serei o animal que te esfola sob a chuva de verão
bêbado de teus cabelos e do crepúsculo que não veio.
Lâmina fria do adeus nos lençóis de nossas dúvidas.
É necessário que o veneno se misture ao sangue.
Vênus em fúria quebrando os sonoros ossos da metáfora
despojando-me da penumbra silenciosa que restou
condenando-me a amar em vil desespero.
Que o poeta é anjo anunciador e ladrão do fogo.
Negro leite da noite tange o alaúde do meu peito
e tenho a impressão de que o poema não acaba
e que vou morrer contigo esta noite irmã de minha alma.
Invento palavras através da tua respiração
ouço a cantilena de tua voz que me estupra
escaravelho zunindo em meu fígado enervado.
Minha morte encontrará a tua num ponto qualquer
da linha do tempo na cadeia inevitável dos eventos.
Pégaso ferido e o fantasma de nossos medos.
Tenho pele de cavalo.
Não há metáfora que traduza teu calcanhar sob a luz
nem mistério que dissipe a cânfora de teus signos.
Charneca é outro lugar comum para a tua solidão.
Não amor, fugir da morte é nosso labor inútil.
Só nos deixaram a fugaz esperança das cigarras.
Ó sulamita cuja sombra cresceu junto ao cálamo.
Não quero um paraíso cujas ruas são de ouro
e os muros de diamante, que tudo é luxúria.
Quero a beleza simples de um éden imaculado
andar descalço em uma estrada de terra e luz
sentir o cheiro do mato do estrume fresco
pisar sobre o orvalho e perceber que tudo se cala
quando o uirapuru tece teu canto de lamento.
Metamorfose de mariposa mecânica
que se alimenta de abstrato.
Tua morte será efêmera como um pássaro
de pura prata lunar. Terá outros nomes:
Sírius. Andrômeda. Eta Carinae.
Toda paixão é mortal
quando não transformada em amor.
Só nos resta confrontar o mito.
Mateus Cunha: Teve Simioto na infância. Publica livros de Poesia. É a favor do caos criativo. Detesta propagandas de cerveja. Não vê esperanças na política e nos demais centros de poder. Não tem ideologias. Fã do John Coltrane, Lou Reed, Cartola e São Francisco de Assis. Apaixonado por música, literatura, cinema & gatos. Bicho do mato mora na mata. Mora em qualquer lugar.
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