É próprio dos cenários apocalípticos, o narrador não fornecer pormenores ou detalhes da geografia da ação narrativa. Por que a ação se detalha na própria especulação científica e filosófica do enredo; seu cerne não está em localizações topográficas; está em discutir ideias. O lugar deve vir sombreado ou esfacelado por uma desgraça social ou ecológica. Isto se deve muito a um tipo de roteiro alegórico onde personagens viram emblemas ou signos de uma luta ou causa.
O romance Água, do escritor Hilber Cunha, ( Chiado) segue esta linha de ação contínua quase como um bom trailler. Temos um cenário no futuro da humanidade onde se implodiu qualquer tipo de civilização, um quase Mad Max. A água é um gênero de primeira necessidade, algo perto, da força do petróleo que move a economia de várias regiões do Globo. Os humanos estão divididos em esquecidos, aqueles que vagam ou moram em vilas e procuram poços de água para sobreviver. E o mercenários, uma espécie de grupo com um poder central baseado em fortalezas, que arregimentam para si o controle dos poços que são descobertos pelos esquecidos. O Autor esquematiza muito bem, este centros ideológicos de força punitiva e conservadora. O estado baseado em até polícia interna está calcado na força de um pirâmide social estratificada que usa uma doutrina calcada em estereotipar pessoas que gravitam pelo espaço geográfico, a apesar de não serem nômades, são pessoas que se assentam em torno da água ou dos seus poços.
É interessante notar que num estágio de involução, pois a humanidade parece ter passado por um guerra potente que dizimou cidades, qualquer aparato urbano. As formas de socialização calcadas em núcleos como a fortaleza, trazem uma certa imagem involutiva. Como se a humanidade ao se refazer, não coordenasse as bases de um governo democrático e sim de uma sociedade regulada e autocentrada e egoísta. É através dos moradores e de desertores deste centro de poder e força muito baseado num cristianismo recuperado por um dos ex- mercenários, que a ação do romance terá sua redenção a um humanismo perdido. É muito interessante que Hilber torne sua alegoria tão forte na base de algo tão primário ou até primitivo. A água como solução e fonte de alternativas para um futuro que parece seco e árido.
O livro vai se enredando num trailer no momento que pessoas ligadas à fortaleza vão criando uma subversão do status quo e formando um espaço projetivo ao futuro, onde através de certas localizações ou regiões podem haver água abundante para reestruturar o nível perdido civilizatório. Aqui, num instinto tão natural como beber água, cai todo uma pecha discriminatória dos que peregrinam à procura d’água. A relação de instinto de sobrevivência é tachada de criminosa. Um crítica ferrenha para quem busca soluções básicas e fundamentais para o bem comum. As soluções políticas na maioria das vezes trazem o pendor do mercenarismo.
cotação: bom
FERNANDO ANDRADE, jornalista, poeta e crítico de literatura. Faz parte do Coletivo de Arte Caneta Lente e Pincel. Participa também do coletivo Clube de leitura onde tem dois contos em coletâneas: Quadris no volume 3 e Canteiro no volume 4 do Clube da leitura. Colaborador no Portal Ambrosia realizando entrevistas com escritores e escrevendo resenhas de livros. Tem dois livros de poesia pela editora Oito e Meio, Lacan Por Câmeras Cinematográficas e Poemometria, e Enclave (poemas) pela Editora Patuá. Seu poema “A cidade é um corpo” participou da exposição Poesia agora em Salvador e no Rio de Janeiro. Lançou em 2018 o seu quarto livro de poemas A perpetuação da espécie, Editora Penalux.
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