“O juiz torcia para um dos times.” – Três poemas de José Carlos Brandão

 

 

José Carlos Brandão
e O País Impossível

 

 

Este país não é para principiantes

Não temos esperança de nada, senão da morte
perdemos as dimensões de quanto somos
o fogo nos consome de fora para dentro
e de dentro para fora.
Um nevoeiro espesso nos envolve
estrelas caem com estrépito, meteoros caem
é o universo que desmorona.
Os anjos foram pendurados no pau de arara
o templo da linguagem desenhado na pele da serpente.
O líder entrega nossas mulheres para o consumo sexual
entrega as nossas crianças para o trabalho forçado
entrega os nossos homens para o trabalho escravo.
Este país não é para principiantes
a sua álgebra não se decifra nem no inferno
a arte caiu no ostracismo
os livros foram fechados para não se abrirem nunca mais.

 

 

Vivemos no país da confusão

Qual é o contrário do real? Não diga que é o dólar.
O real é duro pacas, hoje brilha e amanhã te afoga.
Um homem desarmado não vale nada, dizem,
porque este é o tempo dos assassinos.
Nenhuma canção no cruzamento da S. João com a Ipiranga,
a cidade está transtornada com tantos assassinatos.
A morte é o avesso da vida, o cego tira o olho na mão
e exibe como um troféu sangrento.
O desespero é uma bengala muito frágil.
Qual é o nome das coisas? Qual é o avesso das coisas?
No fim do dia vazio um caldeirão ferve o nada.
A pedra é solitária como a alma.
A pedra se transforma em sangue e inunda a cidade.
Viemos do pó e ao pó retornaremos,
a água será sempre outra e nós seremos ninguém.
Vivemos no país da confusão com um pé atrás,
o outro vai apalpando a sombra e o sal dos dias.

 

 

Este não é um país para amadores

Este não é um país para amadores.
Acham que eu tenho nariz de palhaço?
Este país nem limpando com aço.
Este país não tem jeito e nem remediado está.
O sol nasce para todos, mas queima uns mais que outros.
De dia falta água, de noite falta luz
e tem gente que pensa que é avestruz.
O que os olhos não veem mata o coração.
Um marreco incomoda muita gente, seu capitão.
O juiz torcia para um dos times.
Quem apita o jogo do juiz?
O juiz pisca mais que um pirilampo.
Tira o apito do juiz. Tira o juiz de campo.

 

 

José Carlos Mendes Brandão nasceu em Dois Córregos, SP. Mora em Bauru. Publicou O emparedado (Cia. Editora Americana, Rio, 1975); Exílio (Massao Ohno Editor, São Paulo, 1983, prêmio “José Ermírio de Moraes”, do Pen Centre de São Paulo, para melhor livro publicado no ano, 1983/1984); Presença da morte (Nestlé/Editora Estação Liberdade, São Paulo, 1971, prêmio V Bienal Nestlé de Literatura Brasileira; Poemas de amor (Joarte Editora, Bauru, 1999); O silêncio de Deus (Clube de autores, 2009); Memória da terra (Sec. de Cultura de Bauru, 2010); O sangue da terra (Sec. de Cultura do Ceará, 2010); A hora do gavião (crônicas, Sec. de Cultura de Bauru, 2014); e Livro dos bichos (edição artesanal de 30 exemplares, Bauru, 2016, prêmio “Jorge de Lima” da U.B.E. – Rio). Recebeu ainda o prêmio “Brasília de Literatura” por um livro de poesia e o “Cidade de Belo Horizonte” por um romance, inéditos.
Os poemas acima são de um livro em preparo, O País Impossível.

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This Article Has 3 Comments
  1. lazaro Reply

    usei a chave e virei a fechadura e vi que a vida está emperrada a porta não abre a dobradiça é dura continuo do lado de fora

  2. Roberto Monteiro Reply

    Acampei no meio do nada. Nem barraca levei, afinal viver é sofrer, e sofrer me basta para sentir-me vivo. Assim o nada me abasteceu de tristeza para que eu pudesse destilar e distribuir este ódio latente que carregava na mochila dos meus dias. Alimento substancial para quem quer estufar o bucho de energia negativa e digerir aos poucos milhões de frustrações temperadas com desilusões embotadas na alma recheada de dor.
    Acordo na primeira lua cheia da jornada destino desenhada no mapa astrológico encomendado ao jovem paxá estagiário da aldeia dos perdidos no mundo do fim dos que desistem. Pretendo receber uma atração fatal do chamado para o eterno despertar das deusas virgens do paraíso dos esquecidos e largados pela sorte dos desajustados deste fundo duro da floresta desencantada.
    Levanto acampamento e sacudo a poeira juntada das estrelas que caíram aos meus pés e não pude juntar os cacos de luz invisível que iluminaram o breu dos dias meus nesta temporada de caça às palavras soltas nas folhas das árvores de papel em bonzais de celulose cortadas a machado afiado com o aço do cabelo da rapunzel que encontrei perdida no castelo da bruxa má malvada e idolatrada salve salve.
    Acordei, contei os dedos das mãos. Dez dedos. Ninguém me roubou nada, nem tornei-me ex presidente. Aleluia! Pelo menos não me conduzirão para averiguação nem me perseguirão ad infinitum. Imaginem se eu tivesse nove dedos. Moro aqui e ali, mas diriam que eu teria uma casa da árvore naquela floresta com três camadas de palha cega do rio injusto que atravessa os dias do braseiros apagados pelo golpe de facão dos inquisidores morais da dinastia dos supremos seres do saber supremo.

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