Fernando Andrade entrevista a escritora Marta Barcellos sobre o livro ‘A cortesia da casa’

Marta Barcellos - Fernando Andrade entrevista a escritora Marta Barcellos sobre o livro 'A cortesia da casa'
 
 
 
 

FA. Padrões sociais, parece que uma sociedade precisa de regras para servir de baliza de como nossa auto imagem percorre pelos olhos dos outros, somos escravos dos pensamentos alheios sobre nós. Pensando no seu romance fale sobre isso.

MA. De certa forma usei a personagem principal, Denise, não exatamente para fazer essa reflexão sobre os padrões sociais, mas para mostrar como isso se dá na prática. Denise é observadora e autovigilante ao extremo, e tenta obsessivamente se encaixar nos padrões sociais e do gênero feminino. Uma resposta sobre por que ela faz isso, sobre como ela foi forjada pela sociedade, pode estar nas regras e nas pessoas que estão no ambiente principal onde se passa o romance, um spa de luxo na serra fluminense, o spa Montana. De certa forma, ela reflete o que está em volta, aceita as regras e se esforça para se manter na superfície. Acredita que não há outro caminho, que a vida é daquele jeito mesmo.

FA. O spa é um lugar pouco narrado na literatura. Como usou o espaço para falar de suas reflexões sobre imagem, social e saúde. Comente.

MA. O spa é um lugar frequentado pela classe alta, e meu projeto literário, desde o livro de contos “Antes que seque”, busca fazer uma crítica dessa classe: uma crítica sutil e irônica, que mostre as contradições sem cair numa caricatura explícita. Além disso, o spa é o lugar dos padrões do corpo e do sucesso, um lugar de confinamento, de infantilização (as pessoas são cuidadas como se fossem crianças), e também onde os sentimentos e frustrações estão latentes. De fato, não é um lugar muito visitado pela literatura contemporânea, por isso busquei em minha pesquisa observar o potencial dessa ambientação em romances mais antigos que se passavam em sanatórios ou espaços de “cura”, como A montanha mágica, de Thomas Mann, Corações cicatrizados, de Max Blecher e Correspondências de uma estação de cura, de João do Rio.

FA. A paz consigo mesmo seria uma estado de espírito que a pessoa por si própria não realiza. Precisamos de construções sociais , como igrejas, Spas, até a arte sublimada da escrita, da pintura. Como vê isso em relação ao seu livro.

MA. Existe uma promessa de felicidade que não se cumpre nos modos de vida pregados pelo capitalismo, pelo patriarcado etc. Esses modelos captam corações e mentes, inclusive por meio de instituições, mas as armadilhas se sucedem, e o resultado é a frustração e o adoecimento. Como nietzschiana, eu acredito, sim, nos caminhos da arte e do amor, mas personagens como Denise ou os frequentadores do Montana estão tristemente imersos nessa cultura dominante.

FA.  Agora uma pergunta meio fora do livro, a política nossa de cada dia seria Um regulador de homeostase com relação ao bem estar da gente, a nossa tão desejada visão crítica. Fale disso.

MB. Não sei se entendi sua pergunta, mas acho que a busca individual do equilíbrio ou da paz consigo mesmo, como você mencionou na pergunta anterior, já foi apropriada pelo neoliberalismo e transformada em mais um produto ou tarefa a ser cumprida. Para mim o caminho passa pelo pensamento e pela ação coletiva.

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