Sobre “Era uma vez e outros contos” de Rosália Milsztajn
Por William Soares dos Santos
Há uma beleza que percorre o novo livro de Rosália Milsztajn, “Era uma vez e outros contos”. Dentre os vários elementos que dão forma a esta beleza, está aquilo que chamarei aqui de “memorialística do cotidiano”, elemento presente em contos como “São Jorge”, em que o eu lírico narra lembranças do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro a partir de modos de devoção religiosa de seus moradores, ou no conto “Paisagem”, em que imagens do passado e do presente se encontram e se fundem ao redor de uma pizza em Copacabana. Há mesmo nos textos de Rosália Milsztajn uma verdadeira epifania do quotidiano, tão bem expressa em contos como “Brinde”, em que a contemplação de um fenômeno natural desperta a consciência para toda a vida que acontece ao redor. Dentro dessa “memorialística do cotidiano” há espaço, também, para a leitura de comportamentos contemporâneos como, por exemplo, o uso das redes sociais em “Sem pecado em sem juízo” e da relação do ser humano com suas pulsões, como no conto “Batatas”.
Mas nem tudo é contemplação neste livro, há textos que exigem do leitor um trabalho de co-construção do sentido. Pedindo, por assim dizer, uma atenção mais cuidadosa. Na beleza urdida por Rosália, a complexidade da existência pode ser tecida com a simplicidade presente no conto “Destino”, no complexo jogo de descrição do calor no conto “Amarelo branco” ou na trama do jogo de significações presente no conto “Ora, ora”.
Alguns contos, como, por exemplo, “Equívoco” e “Assim mesmo – de lá pra cá”, trazem indícios de terem sido construídos a partir do olhar experiente da psicanalista que a autora também é. Sem, de modo algum, querer traçar paralelos simples, essa influência tampouco pode ser descartada, ainda mais que, no caso, enriquece o texto literário.
Outra influência fortemente marcada no livro é a de gênero. Rosália, como mulher, observa e conhece bem o seu universo e é capaz de nos trazer sutilezas que o olhar atento da escritora captura em contos como “Mariela”, “Bela e recatada” e “Explicações”, mostrando que, apesar de suas lutas e conquistas ao longo dos séculos, a nossa sociedade ainda tem um caminho a percorrer até proporcionar à mulher espaços de igualdade nas diversas formas de atuação no mundo social.
Há contos, como “Desfile” e “Livre” que apontam para formas de superação diante dos desafios e nos quais a descoberta da beleza de viver não é nunca considerada algo sem tempo ou propósito, mas um movimento necessário da existência.
William Soares dos Santos (1972), é carioca, professor da UFRJ e escritor. Dentre os seus trabalhos literários se destacam o livro de contos Um Amor e os livros de poesias Rarefeito e Poemas da meia-noite (e do meio-dia), este último foi o livro ganhador do Prêmio PEN Clube do Brasil para livro de poesias publicados em 2017.
Página do autor: http://williamsoaresdossantos.com.br/index.html
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